De longe, vi um homem andando meio cabisbaixo pela calçada, passos curtos e arrastados. Era um local de poucos pedestres, a não ser que você estivesse levando os cachorros para passear ou indo pegar um ônibus na avenida mais à frente.
Percebi que ele carregava alguma coisa na mão esquerda. De dentro do meu carro, tive a impressão de ser uma ferramenta como uma enxada ou ancinho. Seria algum trabalhador vindo das casas do condomínio adiante? Enquanto fazia a curva pelo asfalto e me aproximava do homem, notei que ele era um idoso. E que na verdade, estava carregando uma bengala de cabeça para baixo, sem apoiá-la no chão!
Tive que rir, né! É uma piada pronta para fisioterapeutas. A gente prescreve, treina, ensina, convence e insiste, e ainda dá nisso! “Eita velhos teimosos! Não escutam a gente e nem a família. Não adianta falar e chamar a atenção, que eles não aceitam usar.” Essas frases refletem a visão na qual o profissional de saúde dita o que deve ser feito e ao paciente lhe resta obedecer e cumprir. Afinal, somos nós os especialistas que sabemos o que é melhor para ele! Essa é uma abordagem de tratamento autoritária, unilateral e vertical.
Se analisarmos a cena do ponto de vista da funcionalidade, diríamos que aquele idoso estava se adaptando à tarefa de caminhar sozinho pela calçada com seus próprios recursos de equilíbrio e ajustes posturais, recebendo e processando os estímulos visuais e auditivos do ambiente e vencendo as possíveis barreiras que viessem à sua frente.
Com tudo isso, julgou que não precisaria se apoiar na bengala naquele momento. Talvez o recurso fosse desnecessário ou excessivo para aquele idoso, prescrito mais como precaução do que necessidade real. Talvez estivesse atrapalhando o seu desempenho, tornando sua marcha mais lenta ou cansativa. Talvez aquele dispositivo não se adequasse ao piso irregular da calçada, exigindo mais atenção e coordenação em uma tarefa que já era desafiadora para o seu corpo. Não parei para perguntar, mas fiquei pensando aonde ele estava indo, qual era seu objetivo e o que estava motivando-o a continuar.
Isso sim, seria uma abordagem centrada no paciente. Suas dúvidas, anseios, necessidades e potencialidades são levadas em conta na escolha do melhor tratamento. Ele participa do processo de tomada de decisão junto ao profissional de saúde, especialista em apresentar as opções disponíveis, os prós e contras de cada recurso. Em seguida, ambos põem em prática o planejamento, revisam os processos e acompanham as mudanças para chegar à melhor solução para aquele indivíduo no seu contexto.
Portanto, para uma pessoa idosa usar uma bengala, não basta essa decisão fazer sentido para você. Ela tem que fazer sentido para o paciente.
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